domingo, 24 de outubro de 2010

Sonho de uma flauta


Nem toda palavra é
Aquilo que o dicionário diz
Nem todo pedaço de pedra
Se parece com tijolo ou com pedra de giz

Avião parece passarinho
Que não sabe bater asa
Passarinho voando longe
Parece borboleta que fugiu de casa

Borboleta parece flor
Que o vento tirou pra dançar
Flor parece a gente
Pois somos semente do que ainda virá

A gente parece formiga
Lá de cima do avião
O céu parece um chão de areia
Parece descanso pra minha oração

A nuvem parece fumaça
Tem gente que acha que ela é algodão
Algodão as vezes é doce
Mas as vezes né doce não

Sonho parece verdade
Quando a gente esquece de acordar
O dia parece metade
Quando a gente acorda e esquece de levantar
Hum... E o mundo é perfeito
Hum... E o mundo é perfeito
E o mundo é perfeito

Eu não pareço meu pai
Nem pareço com meu irmão
Sei que toda mãe é santa
Sei que incerteza traz inspiração

Tem beijo que parece mordida
Tem mordida que parece carinho
Tem carinho que parece briga
Tem briga que aparece pra trazer sorriso

Tem riso que parece choro
Tem choro que é por alegria
Tem dia que parece noite
E a tristeza parece poesia

Tem motivo pra viver de novo
Tem o novo que quer ter motivo
Tem a sede que morre no seio
Nota que fermata quando desafino

Descobrir o verdadeiro sentido das coisas
É querer saber demais
Querer saber demais

Sonho parece verdade
Quando a gente esquece de acordar
O dia parece metade
Quando a gente acorda e esquece de levantar

Mas sonho parece verdade
Quando a gente esquece de acordar
E o dia parece metade
Quando a gente acorda e esquece de levantar
E o mundo é perfeito
E o mundo é perfeito
E o mundo é perfeito...

O Teatro Mágico

sábado, 16 de outubro de 2010

Conversa de bar


Pensamentos borboleteando...

Eu só queria uma palavra, que ela me servisse de resposta. A brisa batia forte e eu ainda posso sentir o cheirinho da maresia (e a péssima textura do cabelo também!) e a areia entre meus pés e as sandálias. Ah, aquele dia foi tão bom! Apesar do conflito interno, foi muito bom. Ainda consigo ouvir o coral mudo que aqueles pombos faziam em volta dos prédios. Ninguém ouvia, ninguém reparava a dança que eles faziam, com tanta precisão (como seria possível?).

Acendendo um cigarro e tomando um café, ela sorriu para mim, ironicamente, como quem soubesse da minha necessidade, da minha imensa vontade de sair correndo mar adentro! Como saberia ela de tudo isso, sem aos menos termos trocado um “oi, tudo bem?”? Eu estava lá, sentada na guia da calçada, retirando o punhado de terra que havia ficado em meus pés. E ela ali, sentada numa mesa de bar (ou aquilo era um restaurante?).

Sem entender como e porque, aproximei-me daquela mulher. Uma mulher de cabelos negros e olhos maliciosos, que me lembrava alguém, que, naquele momento, não soube identificar quem seria. Entre o susto do impulso e a vontade em entender o porquê daquele sorriso sarcástico, prendi meu cabelo num coque e segui diretamente à mesa em que ela se encontrava. Sem nenhuma surpresa com minha atitude, a mulher desconhecida apontou uma cadeira à sua frente e fez um gesto, que se referia a mim. Sentei-me. Sem coragem de encarar aquele par de olhos maliciosos, meu olhar perdia-se entre os dedos inquietos daquele ser, que, estranhamente, me causava interesse e receio.

Naquele momento, tive pena de mim mesma, pois, pela primeira na vida, senti uma insegurança insustentável pairar sobre mim. Estava pálida! Mas não era só o sentimento de pena que me acompanhava, não. Havia algo mais. Na hora, eu não soube o que seria, mas, agora, eu tenho certeza! Havia também um misto de raiva e alegria. Sim, raiva pela minha fraqueza diante de uma desconhecida e alegria, por ter a certeza de que alguém, mesmo sendo um ser desconhecido, pudesse me surpreender, me deixar insegura, sem chão...

Passados alguns minutos de silêncio, a mulher acendeu outro cigarro e, após duas tragadas, mordeu os lábios e se apresentou:

- Meu nome é Mirella. Você não é daqui. Diga-me seu nome.

Sem pensar apenas por um segundo, um raio de coragem caiu sobre mim e prontifiquei-me a dizer, ainda trêmula:

- Lu... Luana!

A mulher riu novamente. Dessa vez, o sorriso veio com um ar de ternura. E, no fundo de seus olhos, eu vi uma paz. Era uma paz inexplicável! Havia um brilho diferente em seus olhos. E, de repente, meus lábios se abriram contra minha vontade e esboçaram um sorriso tímido, enquanto a mulher analisava meu rosto desconsertado. Enfim, tive coragem e perguntei:

- Como sabe que eu não sou daqui?

Mais um cigarro foi aceso e o café acabou por esfriar, pois a mulher já não dava mais atenção a ele (o café). Concentrou-se em seu cigarro, passou uma das mãos pelo cabelo negro e se pronunciou:

- Certas coisas não se dizem em palavras, você me deu a resposta com os olhos, antes mesmo que eu tivesse tempo para perguntar. E não é só isso que sei...

Sem entender, a curiosidade tomou conta de mim:

- O que mais pode saber, sem me conhecer? – Perguntei.

- O que te preocupa no momento, por exemplo. A sua sede de resposta. – Disse Mirella, com um ar de sabedoria.

O que seria aquela mulher, afinal? Uma vidente? Uma bruxa? Não saberia dizer. Uma ponta de desconfiança refletiu meu semblante e eu fiquei intacta, sem resposta. E a mulher continuou:

- Eu te conheço mais do que você imagina! Mais do que a mim mesma. Sabe por quê? – Perguntou a mulher, fitando-me os olhos.

Com o coração disparado e sem saber o que dizer ou fazer, não consegui mover um músculo sequer! E a desgraçada não parava:

- Sabe por que te conheço mais do que a mim mesma? Porque você sou eu! E eu sou apenas o seu eu lírico, o seu eu que fica na fronha do travesseiro! O seu eu que suporta as consequêcias de todas as suas atitudes. Eu sou o seu eu que se descobre a cada ação, por isso, não conheço-me melhor do que a ti, que é um eu fixo, que não muda, que é a essência...

Que confusão! O que Mirella estava dizendo? Quem era o eu de quem? Eu não seria uma pessoa só? Que história é essa de dois ‘eu’? Aquilo seria um delírio de identidade? Depois do chocante silêncio, Mirella se acalmou e disse, cabisbaixa e de olhos fechados:

- Está vendo essa mesa? Está vendo a você e a mim? Então, esses cigarros, não fui eu quem fumou. Esse café amargo, não fui eu quem deixou esfriar. Quem está falando com você, é você mesma. Isso que está acontecendo, é um encontro de você consigo mesma!

Num momento de desespero, desabei-me em choro! “Estou surtando, estou num momento psicótico”, foi o que pensei. Não seria possível! Sim, seria! Claro, Mirella! Era a personagem principal dos meus contos e crônicas. Sim, é verdade. Era ela mesma, a Mirella, a atriz das minhas histórias! E como isso foi acontecer? Como foi possível?

A mulher de olhos negros, como que adivinhando o que se passava pela minha cabeça naquele instante, acrescentou à sua fala:

- Esse encontro só foi possível porque você pediu uma resposta com fé, sem forma, sem nome, mas com muita fé. E agora você a tem em mãos, ou melhor, em mim, ou seja, em você mesma! As suas respostas estão sempre em você mesma, basta ter coragem para querer enxergar, de fato, suas verdades.

Como quem está caindo num sonho, eu levantei no susto! Assustada, virei uma xícara de café sobre a roupa e senti as pontas dos dedos queimarem. Apaguei a butuca de cigarro no cinzeiro de vidro e pedi a conta. De repente, senti uma estranha vontade de correr mar adentro, mas algo me impediu. Então, tirei minhas sandálias e sentei-me de frente ao mar, sentindo uma sensação boa. Fechei meus olhos e ouvi o mar sussurrando em meus ouvidos. E eu já não precisava de uma resposta. A calmaria do mar me trazia uma paz interna e, naquele dia, minhas interrogações foram embora, escorreram com as lágrimas que saltavam desesperadas dos meus olhos...

Por Luana Chaves

(16/10/10)


segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Falando sobre o amor (de novo)


Pensamentos borboleteando...

O problema de sumir é que, quando a gente volta, tem que explicar o sumiço. E explicar o sumiço dá muito trabalho, você sabe. Às vezes, precisamos de um álibi, enfim. Como hoje estou um pouco cansada, podemos pular essa parte? Faz de conta que continuo sempre vindo aqui, que temos conversado sobre a vida, a faculdade, a dança, as amigas, o vizinho, os professores picaretas. Faz de conta que temos trocado confidências, que o tempo não passou, que o sorriso de hoje é o mesmo de 10 anos atrás, sem nenhuma marquinha na boca, sem nada estranho que lembre que o tempo passa. E como passa! O tempo passa muito, passa rápido, passa rindo da gente...

Meu pensamento fervilha. As idéias dão saltos mortais, estão evaporando! O coração está a mil. As emoções giram no sentido contrário (será?). E aí, eu me pergunto: Será que vou dar conta? Início de semestre, livro embaixo do braço, pessoas novas, dias diferentes e ele... Ele que ainda não saiu da minha cabeça! Parece que abriram uma porta, jogaram-no no espaço mais conflitante de mim, pregado com super bonder na parede que mais pulsa no meu coração e deixaram a chave no meu cérebro, que parece não ter acesso algum ao ele (o coração). Mas é assim mesmo. Nós somos uma família. UMA família! Nós, o início do semestre, as pessoas novas (e velhas, como não?), os conflitos, o cérebro e o coração e ele... Até ele! E todas as nossas outras coisas, nossos restos, nossos começos, meios e fins. Nós e nossas manias, nossos sucessos, nossos fracassos, nossos defeitos que ficam na fronha, nossas qualidades que fazem os olhos ter mais vida.

Eu sofri. Meu Deus! Como eu sofri com amores errados, ilusões, migalhas, coisas que achava que eram e nunca foram, paixonites enlouquecidas, vontades desesperadas. Todo mundo fala sobre o amor. As pessoas amam animais, objetos, pessoas, sorvetes, cervejas... O que era para ser “amor” tornou-se apenas uma palavra. O que era para ser um sentimento se tornou uma “coisa”. Uma simples coisa! Como podem fazer isso com o amor? Olha para mim e me explica. Mas olha mesmo, estou cansada de palavras soltas, ando sedenta por olho no olho. Estou desconfiada... O cabeleireiro novo me chama de amor. Entro na loja e a vendedora diz, sorrindo: "Oi, amada. Posso ajudar?". Não quero ser o amor de quem acabei de conhecer e entreguei meus lindos cabelos. Não quero que a vendedora me olhe e diga: "amada, essa calça ficou linda em você". Desculpe, é que tenho um profundo respeito pelas palavras.

Olhe, eu sou careta! Demorei tanto para sentir o amor. E acho que ainda não o senti... Intenso, verdadeiro! É, deve ser porque ainda não descobri o que ele, afinal de contas, é. Mas também, é lógico que a gente se engana! Alguns sentimentos se “travestem” e a gente crê que eles são amor. Depois, na hora do ‘vamos ver’, a gente descobre o que existia por baixo deles... Surpresa! Não era amor, era apenas uma confusão de sentimentos e vontades ou uma outra coisa qualquer. Não que eu esteja desmerecendo os outros sentimentos, longe de mim. Muitas emoções podem ser lindas (e são). Sentir é muito bom, mas o amor... Esse, que poucos sentem e muitos banalizam, deve ir muito mais além! Você entende? Às vezes, eu não entendo...

Eu posso dizer para você com todas as letras do alfabeto: eu-sofri-muito! E ainda sofro. Hoje acredito que talvez eu sofra porque estou constantemente me procurando. É uma busca incessante... Será que é por que dizem que a gente só encontra o amor depois de se achar? Eu estava em paz, numa vontade de ficar comigo, de ser minha amiga, de fazer dar certo essa relação difícil que existe entre nós e nós mesmos, de cuidar bem de mim, de tomar conta da minha vida do jeito certo. Então, ele apareceu. Não porque se mostrou a mim ou me seduziu, mas porque eu fui até ele. Sim, EU fui! Mostrei-me com todos os defeitos e qualidades, seduzindo aquele homem cobiçado. Não com olhares e gestos (até porque, ele nunca foi capaz de sustentar meu olhar!), mas com palavras. Não quaisquer palavras, mas as palavras que o fizeram sentir-se instigado a me decifrar.

Elas (as palavras), que me seduzem. Elas, que me envolvem. Elas, que me aproximam. Foram as palavras que me aproximaram dele. E foram elas que me conduziram até “o amor da minha vida”. Será? Por que as pessoas usam tanto esse clichê? Será mesmo que esse clichê tem verdade, tem vida? Entre uma palavra e outra, uma inquietação. Entre uma inquietação e outra, a curiosidade. Entre uma curiosidade e outra, um receio. Entre um “será” e outro, um relâmpago chamado coragem. Fui, fui com toda a vontade que tive. Ele veio (ou será que tive um delírio?). Para mim, NÓS fomos! Entre uma conversa e outra, um sentimento. Um sentimento sozinho, com sérios problemas de identidade. Um sentimento meu, só meu...

Ao que se vê, amar tem um quê de desespero, de descontrole, de coragem, de paciência, de cumplicidade, de segredo... Tem uma pitada de muitas coisas! Pra amar, tem que conhecer, se perceber. Tem que doer um pouco. Porque dói, é uma descoberta, é um se ver no outro, é um ver o outro exatamente como ele é (e, ainda assim, amar). Amar é perder o nojo, pois, amando, a gente percebe que o outro é uma pessoa (e as pessoas são sujas de vez em quando). Para amar, tem que ser inteiro. Para amar, a gente dispensa a matemática, por mais que um mais um seja dois. Para amar, o bom português basta. É só abrir o coração e boca e dizer: “eu te amo”. Será? Será que meu sentimento se resume a isso? Ou será que eu é que ainda não consegui sentir o amor?

Por Luana Chaves

(11/10/10)