sábado, 16 de outubro de 2010

Conversa de bar


Pensamentos borboleteando...

Eu só queria uma palavra, que ela me servisse de resposta. A brisa batia forte e eu ainda posso sentir o cheirinho da maresia (e a péssima textura do cabelo também!) e a areia entre meus pés e as sandálias. Ah, aquele dia foi tão bom! Apesar do conflito interno, foi muito bom. Ainda consigo ouvir o coral mudo que aqueles pombos faziam em volta dos prédios. Ninguém ouvia, ninguém reparava a dança que eles faziam, com tanta precisão (como seria possível?).

Acendendo um cigarro e tomando um café, ela sorriu para mim, ironicamente, como quem soubesse da minha necessidade, da minha imensa vontade de sair correndo mar adentro! Como saberia ela de tudo isso, sem aos menos termos trocado um “oi, tudo bem?”? Eu estava lá, sentada na guia da calçada, retirando o punhado de terra que havia ficado em meus pés. E ela ali, sentada numa mesa de bar (ou aquilo era um restaurante?).

Sem entender como e porque, aproximei-me daquela mulher. Uma mulher de cabelos negros e olhos maliciosos, que me lembrava alguém, que, naquele momento, não soube identificar quem seria. Entre o susto do impulso e a vontade em entender o porquê daquele sorriso sarcástico, prendi meu cabelo num coque e segui diretamente à mesa em que ela se encontrava. Sem nenhuma surpresa com minha atitude, a mulher desconhecida apontou uma cadeira à sua frente e fez um gesto, que se referia a mim. Sentei-me. Sem coragem de encarar aquele par de olhos maliciosos, meu olhar perdia-se entre os dedos inquietos daquele ser, que, estranhamente, me causava interesse e receio.

Naquele momento, tive pena de mim mesma, pois, pela primeira na vida, senti uma insegurança insustentável pairar sobre mim. Estava pálida! Mas não era só o sentimento de pena que me acompanhava, não. Havia algo mais. Na hora, eu não soube o que seria, mas, agora, eu tenho certeza! Havia também um misto de raiva e alegria. Sim, raiva pela minha fraqueza diante de uma desconhecida e alegria, por ter a certeza de que alguém, mesmo sendo um ser desconhecido, pudesse me surpreender, me deixar insegura, sem chão...

Passados alguns minutos de silêncio, a mulher acendeu outro cigarro e, após duas tragadas, mordeu os lábios e se apresentou:

- Meu nome é Mirella. Você não é daqui. Diga-me seu nome.

Sem pensar apenas por um segundo, um raio de coragem caiu sobre mim e prontifiquei-me a dizer, ainda trêmula:

- Lu... Luana!

A mulher riu novamente. Dessa vez, o sorriso veio com um ar de ternura. E, no fundo de seus olhos, eu vi uma paz. Era uma paz inexplicável! Havia um brilho diferente em seus olhos. E, de repente, meus lábios se abriram contra minha vontade e esboçaram um sorriso tímido, enquanto a mulher analisava meu rosto desconsertado. Enfim, tive coragem e perguntei:

- Como sabe que eu não sou daqui?

Mais um cigarro foi aceso e o café acabou por esfriar, pois a mulher já não dava mais atenção a ele (o café). Concentrou-se em seu cigarro, passou uma das mãos pelo cabelo negro e se pronunciou:

- Certas coisas não se dizem em palavras, você me deu a resposta com os olhos, antes mesmo que eu tivesse tempo para perguntar. E não é só isso que sei...

Sem entender, a curiosidade tomou conta de mim:

- O que mais pode saber, sem me conhecer? – Perguntei.

- O que te preocupa no momento, por exemplo. A sua sede de resposta. – Disse Mirella, com um ar de sabedoria.

O que seria aquela mulher, afinal? Uma vidente? Uma bruxa? Não saberia dizer. Uma ponta de desconfiança refletiu meu semblante e eu fiquei intacta, sem resposta. E a mulher continuou:

- Eu te conheço mais do que você imagina! Mais do que a mim mesma. Sabe por quê? – Perguntou a mulher, fitando-me os olhos.

Com o coração disparado e sem saber o que dizer ou fazer, não consegui mover um músculo sequer! E a desgraçada não parava:

- Sabe por que te conheço mais do que a mim mesma? Porque você sou eu! E eu sou apenas o seu eu lírico, o seu eu que fica na fronha do travesseiro! O seu eu que suporta as consequêcias de todas as suas atitudes. Eu sou o seu eu que se descobre a cada ação, por isso, não conheço-me melhor do que a ti, que é um eu fixo, que não muda, que é a essência...

Que confusão! O que Mirella estava dizendo? Quem era o eu de quem? Eu não seria uma pessoa só? Que história é essa de dois ‘eu’? Aquilo seria um delírio de identidade? Depois do chocante silêncio, Mirella se acalmou e disse, cabisbaixa e de olhos fechados:

- Está vendo essa mesa? Está vendo a você e a mim? Então, esses cigarros, não fui eu quem fumou. Esse café amargo, não fui eu quem deixou esfriar. Quem está falando com você, é você mesma. Isso que está acontecendo, é um encontro de você consigo mesma!

Num momento de desespero, desabei-me em choro! “Estou surtando, estou num momento psicótico”, foi o que pensei. Não seria possível! Sim, seria! Claro, Mirella! Era a personagem principal dos meus contos e crônicas. Sim, é verdade. Era ela mesma, a Mirella, a atriz das minhas histórias! E como isso foi acontecer? Como foi possível?

A mulher de olhos negros, como que adivinhando o que se passava pela minha cabeça naquele instante, acrescentou à sua fala:

- Esse encontro só foi possível porque você pediu uma resposta com fé, sem forma, sem nome, mas com muita fé. E agora você a tem em mãos, ou melhor, em mim, ou seja, em você mesma! As suas respostas estão sempre em você mesma, basta ter coragem para querer enxergar, de fato, suas verdades.

Como quem está caindo num sonho, eu levantei no susto! Assustada, virei uma xícara de café sobre a roupa e senti as pontas dos dedos queimarem. Apaguei a butuca de cigarro no cinzeiro de vidro e pedi a conta. De repente, senti uma estranha vontade de correr mar adentro, mas algo me impediu. Então, tirei minhas sandálias e sentei-me de frente ao mar, sentindo uma sensação boa. Fechei meus olhos e ouvi o mar sussurrando em meus ouvidos. E eu já não precisava de uma resposta. A calmaria do mar me trazia uma paz interna e, naquele dia, minhas interrogações foram embora, escorreram com as lágrimas que saltavam desesperadas dos meus olhos...

Por Luana Chaves

(16/10/10)


5 comentários:

  1. Lindo texto, ótima narrativa contada entre linhas...
    Beijos!

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  2. Parabéns pelo texto. Muito bom mesmo! Essa sensação multiplicada de existir... Lembrei-me um pouco de Camus em sua narrativa.

    Abraço,

    Beto

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  3. Puxa vida, que texto belíssimo! É como se eu estivesse me perdendo nas páginas ultra-sinestésicas de Carlos Heitor Cony...
    Prometo não demorar a voltar!

    Hug,

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  4. Simplismente viajei...
    Fiquei aqui sentada...
    Ouvindo teu texto ,é "OUVINDO"
    por que foi como uma voz de mulher ,narrasse o texto pra mim ...
    Estou na minha mesa de trabalho,tem uma "multidão de barulhos em minha volta",mas vc me tirou daqui ..UFA !
    TANKS...adoro viagem matinal.

    *de: MIM *para: VOCÊ.
    "E eu preso aqui nessa cela
    Deixando minha vida passar
    Ainda escuto a voz *dela*
    No vento que vem perguntar: ?
    (E eu vou lá saber ,o que meu Eu quer dizer!)
    ...Rsss"
    BEJUS CÓSMICOS
    até a proxima visita.

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  5. simplesmente maravilhoso.. nossa fui longe viu linda continue sempre assim com seu blog nivel altissimo^^

    andre ^^

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